domingo, 11 de dezembro de 2011

Trabalho - III ENREDE (O Uso de Sequência de Ensino para Ensinar Conteúdos do Bloco de Tratamento da Informação)

O Uso de Sequência de Ensino para Ensinar Conteúdos do Bloco de Tratamento da Informação


Alexandre Henrique Soares[1]
Renato da Silva Fernandes[2]
Maria Amélia Nascimento Correia[3]
Miriam Cardoso Utsumi[4]

Resumo
Neste trabalho apresenta-se a adaptação feita na sequência de ensino Perfil da Turma (CAZORLA e SANTANA, 2010), aplicada pelos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) em duas escolas públicas de São Carlos. A sequência foi desenvolvida com alunos de 6° e 7° ano do ensino fundamental e tem por base uma pesquisa de opinião com questões levantadas pelos próprios alunos para trabalhar conceitos estatísticos importantes, como as medidas de tendência central (média, moda e mediana), representações de dados através de gráficos de barra e de setor, além de questões relacionadas à própria pesquisa, como suas limitações e validade dos resultados encontrados. Além da pesquisa de opinião, foi confeccionado e aplicado um jogo didático, denominado Super Filme[5] com intuito de introduzir de forma lúdica e intuitiva alguns conceitos. Observou-se que os alunos participaram bem das atividades desenvolvidas e que o conceito de mediana precisa ser retomado.


Palavras-chave: Educação Matemática. Tratamento da Informação. Práticas Curriculares. Letramento Estatístico.



    O Relatório da Unesco (Dellors, 2001) assevera que a sociedade contemporânea exige da escola que se ensine um “novo” conjunto de conhecimentos, com ênfase na formação social e ética e que prepare o cidadão

              "O reconhecimento da importância do pensamento estatístico na promoção de habilidades e competências necessárias para o exercício da cidadania já havia feito o Ministério da Educação, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, 1998, 2002), incorporar conceitos elementares de Probabilidade e Estatística no currículo de Matemática para todas as séries da Educação Básica."

            Esses conteúdos estão no Bloco de Tratamento de Informações e parecem-nos bastante propícios para serem integrados às novas tecnologias e aos temas político-sociais.
            Neste artigo discutiremos o processo de reelaboração e desenvolvimento de uma sequência de ensino para trabalhar com conceitos estatísticos, em duas escolas da rede pública de São Carlos, dentro das atividades desenvolvidas no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID CAPES/ICMC-USP que busca apoiar e potencializar a aprendizagem da docência pelos licenciandos em Matemática, inserindo-os no cotidiano escolar, com responsabilidades de preparar e executar atividades em parceria com professores orientadores da Universidade e professores supervisores da escola básica.
A sequência de ensino Perfil da Turma, elaborada por um grupo de educadores matemáticos (Cazorla e Santana, 2010), foi estudada e planejado o seu desenvolvimento pelo grupo de bolsistas do PIBID.
Ela tem os objetivos de introduzir o processo da pesquisa estatística, em particular o da pesquisa de opinião, calcular valores estatísticos importantes, como parâmetros de medida central (moda, média e mediana), utilizando os dados recolhidos pelos próprios alunos, confeccionar o diagrama de pontos e gráficos de barras e de setores também utilizando a distribuição da pesquisa e interpretá-los. É importante ressaltar que esta atividade é prevista para ser desenvolvida em sala de aula, no que as autoras do livro denominam “ambiente lápis e papel”, e na sala de informática utilizando o ambiente virtual AVALE[6].
O período para desenvolvimento da sequência previsto no livro é de 10 horas-aula, porém tivemos que adaptá-lo para 8 horas-aula (que incluía uma avaliação), pois esse era o tempo disponível para trabalhar com cada turma. A sequência de ensino foi aplicada com alunos do 7º ano do EF no mês de agosto e alunos do  6º ano do EF em outubro, em encontros de 2 horas-aula semanais.

Decidimos por manter os objetivos e conteúdos relacionados, com exceção do diagrama de pontos, o qual ficou opcional dependendo do licenciando que fosse aplicar a sequência e do público-alvo. Acreditávamos que em algumas classes os alunos já estariam familiarizados com a representação de dados em gráfico de barras, não havendo assim necessidade de discorrermos sobre uma representação mais simples.
Consideramos importante, no primeiro momento, contextualizar as pesquisas estatísticas e fornecer aplicações, como tomar uma decisão em grupo sobre o local de uma excursão, definir o público-alvo de determinado produto ou serviço, por meio das pesquisas de mercado.
 As questões de pesquisa que desenvolvemos com os alunos diziam respeito à classe como um todo, como, por exemplo, “Qual o esporte preferido da turma?”, “Quem é melhor em matemática, os meninos ou as meninas?” e elas foram respondidas com base em informações individuais. As perguntas escolhidas foram direcionadas de forma que aparecessem tanto variáveis quantitativas quanto variáveis qualitativas, a fim de trabalharmos com várias formas de representação de dados e as medidas estatísticas.
As variáveis quantitativas podem ser discretas ou contínuas, ambas sendo constituídas por valores numéricos. As primeiras representam quantidades inteiras (idade em anos completos, quantidade de irmãos) enquanto que as segundas denotam valores que pertencem a um intervalo real (peso, altura). As variáveis qualitativas podem ser nominais (nome, esporte favorito, signo) ou podem ser ordinais, se os possíveis valores possuem uma ordem apesar de não serem numéricos (respostas do tipo “ótimo”, “bom”, “regular” e “ruim”). Não foi nossa intenção, entretanto, ensinar diretamente esta classificação aos alunos, apenas buscamos propiciar que ficassem acostumados a todos os tipos de variáveis e que soubessem representá-las adequadamente.
Sugerimos as variáveis “Idade” e “Sexo” porque elas aparecem tradicionalmente em resultados de pesquisas descritivas. Solicitamos também a variável “Nome” para garantir que para cada pessoa tivesse apenas um conjunto de respostas associado a ela. Decidimos que a quantidade total de perguntas deveria ficar entre 7 e 9, devido à restrição da quantidade de variáveis quando fôssemos trabalhar com o AVALE no laboratório de informática das escolas.
Os alunos responderam às perguntas e colocaram suas respostas em uma tabela previamente confeccionada em papel pardo para que todos visualizassem o conjunto de dados e se sentissem parte dele. A figura 1 ilustra a planilha preenchida pelos alunos de uma classe.

Nome
Idade
Sexo
Esporte preferido
Gosto pela escola
Altura
Signo
Maior nota em matemática
















Figura 1: Exemplo de tabela

Antes de trabalharmos com as medidas de tendência central com os dados desta tabela, decidimos conjuntamente que seria interessante que tais medidas fossem percebidas intuitivamente e de preferência a partir de um jogo.
O modelo de jogo escolhido foi o mesmo do Super Trunfo®, pois ele possibilita ao longo da partida que o jogador perceba que há cartas melhores do que outras em certos aspectos, e valores que empatam mais facilmente que outros. O jogo original possui 32 cartas e cada carta contem de 6 a 8 informações.
Decidimos por fazer uma versão do Super Trunfo® com a temática de filmes e com um número reduzido de cartas (20), separadas em 4 grupos de 5 cartas. O jogo produzido recebeu o nome de Super Filme. As regras e um modelo das cartas (Figura 2) estão no Anexo I.
Foi importante reduzir o número de cartas e a quantidade de informações em relação ao jogo original para que o estudo da distribuição dos dados fosse possível. Ao longo da partida os alunos perceberam por exemplo, que faturamentos com valor maior do que 1 bilhão de dólares tinham grandes chances de ganhar e que filmes com mais de 120 minutos de duração eram muito longos se comparados aos demais.
Fizemos também um estudo externo sobre a dinâmica das partidas observando com os alunos como as cartas estavam distribuídas de acordo com as três variáveis (lançamento, duração e faturamento) e qual a melhor estratégia para determinados grupos de cartas. A mediana, que tradicionalmente é estudada como um fim em si mesma, tinha utilidade prática no jogo, pois se numa das variáveis o dado era maior do que a mediana a chance de ela garantir a vitória no embate era superior a 50%.
A média aritmética pode fornecer informação igualmente útil, mas o cálculo da média dos faturamentos, por exemplo, era impraticável sem o auxílio de uma calculadora. Por isso, decidimos reservar o estudo da média à informação de duração dos filmes, que possui no máximo 3 algarismos.
Existe ainda a possibilidade de se trabalhar a noção de probabilidade utilizando esse jogo, analisando, por exemplo, as possibilidades de vitória da carta Super Filme. Sabe-se que, das 19 cartas restantes, apenas 4 vencem a carta Super Filme, assim 15 cartas são derrotadas pela carta Super Filme. Dessa forma, conclui-se que tal carta tem 15 chances de ganhar em 19 possíveis. Vê-se que para trabalhar essa noção inicial e intuitiva de probabilidade, o único pré-requisito é o conhecimento de frações.
Depois dos alunos terem feito os cálculos acima descritos foi relativamente fácil fazê-los com os dados da pesquisa da classe e, mais importante, estender o conceito de moda às variáveis qualitativas nominais.
O estudo dos gráficos também foi feito ligado à pesquisa inicial da turma. A primeira representação a ser trabalhada era a do diagrama de pontos, caso o licenciando percebesse a necessidade da turma. Esta é a representação mais simples pois é baseada em um só eixo, que contém os diferentes valores da distribuição, e a quantidade de cada valor é contada no número de pontos que ele possui. É uma etapa de transição das respostas individuais para a visualização coletiva.
Para o conjunto de dados: 1,5; 2; 3,5; 3; 2; 3; 2; a Figura 3 ilustra o dotplot associado.


Figura 3: Exemplo de um diagrama de pontos (dotplot)

Para justificar o uso de gráficos de barra, hipotetizamos a representação de uma quantidade grande de dados, indagando como os alunos representariam os dados de toda a escola em um diagrama de pontos. Visto a inviabilidade de trabalhar com uma quantidade tão grande de pontos no dotplot, introduzimos o gráfico de barras. Consideramos adequado explorarmos escalas diferentes da unitária, para garantir um bom entendimento da representação feita em um gráfico de barras.

Figura 4: Gráfico de barras construído com informações da pesquisa feita em uma turma de 6º ano

Consideramos de fundamental importância estar retomando sempre o que os gráficos feitos representavam, mantendo sempre em foco nosso objetivo de responder as questões da pesquisa.
O gráfico de setores é uma representação mais condensada do que a feita pelo gráfico de barras e com maior apelo visual. Sua construção pode ser trabalhada através de ângulos ou mesmo de frações, dividindo-se o arco completo de 360° em setores proporcionais às frequências das variáveis.
Uma estratégia que utilizamos com as turmas do 6º ano foi a de levar uma circunferência dividida em 20 arcos iguais e de deixar os alunos completarem a divisão do círculo.
A desvantagem deste tipo de gráfico é a dificuldade de distinguir valores próximos, como o “Vôlei” e “Futebol” na variável “Esporte Preferido”, apresentada na Figura 5.


Figura 5: Circunferência dividida em 20 arcos iguais e exemplo de gráfico de setores

Consideramos importante não desvincular o estudo das representações gráficas, do estudo das medidas estatísticas, vistas anteriormente. Este momento foi visto como uma nova oportunidade para que os alunos treinassem os seus cálculos, fixassem os conceitos e atribuíssem mais significado a eles.
Após esta etapa já seria possível responder às questões de pesquisa formuladas inicialmente, o que encerrou a sequência no ambiente “lápis e papel”. Decidimos, entretanto, responder às questões, após a etapa de utilização do ambiente virtual AVALE.
Primeiro, preenchemos um cadastro como professor e pré-cadastramos as turmas com as perguntas criadas e selecionadas pelos alunos. Durante a aula os alunos buscavam sua turma e professor e entravam com suas respostas, após terem se cadastrado na turma.
 Os alunos responderam individualmente em seus computadores e as informações foram compondo uma tabela completa da turma, em tempo real, como a mostrada na Figura 6.


Figura 6: Tabela do AVALE de alguns alunos de uma turma de 7º ano

Os alunos calcularam algumas medidas estatísticas, bem como fizeram diversos tipos de gráficos e tabelas usando o ambiente virtual. Após essa etapa, no laboratório de informática os alunos foram estimulados a discutirem os resultados das questões inicialmente levantadas e exporem os resultados, concluindo assim a última etapa do processo.
Ao final do desenvolvimento da sequência de ensino aplicamos uma avaliação tendo como base as questões do SARESP (sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) do ensino fundamental e do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) abordando o conteúdo de estatística. A avaliação foi composta por questões que buscavam avaliar a leitura e interpretação de tabelas, gráficos de barra e de setor, e o cálculo de média e mediana.
A avaliação do 7° ano contava com 8 questões, sendo duas dissertativas. Para a avaliação do 6º. ano substituímos uma questão que envolvia o cálculo de uma incógnita, sendo dados a média e um conjunto de valores, por uma questão que solicitava ao aluno representar um conjunto de dados em um gráfico de barras.
Analisando os resultados das avaliações aplicadas aos alunos, notamos que o desempenho de todas as turmas foi satisfatório, porém vale ressaltar que o nível de exigência das questões dos exames do SARESP e do SAEB não é muito elevado.
Os alunos mostraram ter mais dificuldades nas questões dissertativas, principalmente no que diz respeito a dar uma resposta clara e organizada. A questão envolvendo mediana foi a mais problemática: apesar de exigir apenas a aplicação direta do conceito, poucos alunos acertaram tal questão.

Considerações Finais



Consideramos que ao final deste processo foi importante que os alunos compreenderam não apenas como fazer os cálculos, mas o significado dos conceitos.
Destacamos também a contribuição para a aprendizagem da docência do grupo de licenciandos do planejamento para a aplicação da sequência de ensino, a criação de material didático lúdico e a  elaboração e correção da avaliação das turmas.
            Assim, acreditamos que trabalhando com sequências de ensino estruturadas numa dimensão de pesquisa científica e prática social, estaremos contribuindo para o desenvolvimento do letramento estatístico, do espírito científico e para a formação de cidadãos críticos, resgatando assim uma concepção educacional e pedagógica que valoriza o aprendizado dos conteúdos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade.

Referências
Brasil, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.  Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.
Brasil, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. (1998) Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática. Brasília: MEC?SEF, 1998.
Brasil, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica.  PCN Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 2002.
Cazorla, I., e Santana, E. (Org.) Do Tratamento da Informação ao Letramento Estatístico. Itabuna: Via Litterarum, 2010.
Delors, J. e outros. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília, DF: MEC/ UNESCO, 2001.


Anexo 1: Jogo Super Filme


Preparação:

     As cartas são embaralhadas e distribuídas em número igual para cada um dos jogadores.         
     Cada jogador forma seu monte e só vê a primeira carta da pilha.
     As cartas possuem informações sobre filmes como: ano de lançamento, duração e faturamento (em dólares). É com estas informações que cada um vai jogar.

Como jogar:

     Se você é o primeiro a jogar, escolha, entre as informações contidas em sua primeira carta, aquela que você julga ter o valor capaz de superar o valor da mesma informação que se encontra na carta que seus adversários têm em mãos. Por exemplo: você escolhe a informação “Duração”, menciona-a em voz alta e mostra a carta na mesa. Imediatamente o outro jogador abaixa a primeira carta de sua pilha e confere o valor da informação. Quem tiver o valor mais alto no item “Duração”, ganha as cartas da mesa e as coloca embaixo de sua pilha.

     O próximo jogador será o que venceu a rodada anterior. Assim prossegue o jogo até que um dos participantes fique com todas as cartas do baralho, vencendo a partida.
           
     Se os dois jogadores mostram cartas com o mesmo valor, aquele que escolheu inicialmente a informação a ser comparada, escolhe uma nova informação de sua próxima carta. Quem ganhar este segundo embate ganha as cartas do primeiro embate também.

     O participante cuja carta da rodada for a 1A, marcada como "Super Filme", automaticamente ganha a rodada, a não ser que a carta do outro participante seja do grupo A, ex: 2A, 3A, 4A ou 5A.

     O jogo termina quando um dos jogadores ficar com todas as cartas do jogo, isto é as 20 cartas.
Figura 2: Exemplos de cartas confeccionadas pelos alunos bolsistas





[1] ICMC-USP, São Carlos. Bolsista PIBID – CAPES/USP, e-mail: alex.soares42@gmail.com
[2] ICMC-USP, São Carlos. Bolsista PIBID – CAPES/USP, e-mail: renatosf@grad.icmc.usp.br
[3] EEPSG ¨Sebastião de Oliveira Rocha”. Supervisora do PIBID – CSAPES/USP,e-mail: ma_a_correia@yahoo.com.br
[4] ICMC-USP, São Carlos. Orientadora PIBID – CAPES/USP, e-mail: mutsumi@icmc.usp.br
[5] Versão modificada do jogo Super Trunfo®
[6] O AVALE -Ambiente Virtual de Apoio ao Letramento Estatístico - é uma ferramenta de apoio didático desenvolvido pela UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz -BA) com apoio da FAPESB, atualmente está hospedado no site da SEE-BA (http://www.iat.educacao.ba.gov.br / avaleeb).O AVALE oferece um ambiente virtual on-line onde cada aluno entra com seus dados individuais (que são armazenados pelo sistema),e tem acesso às medidas estatísticas e os gráficos gerados a partir do banco de dados da turma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário